Entrevista com Marcelo Policarpo
De fato, professoras e professores podem construir práticas e discursos educativos ancorados numa ampla descoberta de si e do Outro, descoberta de algo que vá para outros horizontes, fazendo com que a prática educativa lance mais sentido, mais significado e mais legados para todos os seus agentes.
Marcelo Policarpo

O quadro Repensando a Educação é uma série de entrevistas em que a Revista Ponte busca tecer reflexões sobre a ineficácia da escola enquanto instituição social, a sua inversão de valores e os processos de desumanização que as instituições de ensino formal produzem sob o pretexto de manter viva uma educação tradicional.
Na primeira entrevista desta série, falamos sobre Educação e Capitalismo Consciente com o educador e teólogo Marcelo Policarpo, um ser humano de saberes, cursos e percursos múltiplos: Marcelo já foi padre na Arquidiocese de Belo Horizonte, é mestre em Ciências Bíblicas, viveu e estudou na Europa e, atualmente, trabalha como formador na Exponentia Consultoria, projeto de educação empresarial do qual também é CEO.
RP: Marcelo, conte-nos, por favor, um pouco da sua história que, como eu sei, vai da vida religiosa ao empreendedorismo. Você pode compartilhar isso conosco?

MP: Com relação à minha vida religiosa, eu fui padre na Arquidiocese de Belo Horizonte. Fiz um caminho, além de pastoral, também intelectual e acadêmico. Fiz mestrado em Ciências Bíblicas em Roma, um curso que me trouxe uma série de vantagens e de benefícios intelectuais e universais. Nesse contexto, e também por questões pessoais, acabei mudando um pouco o meu itinerário de entendimento de vida, de fé, de questões existenciais e, lógico, amorosas: encontrei a minha esposa em Londres, vim para o Brasil e no Brasil recomecei, de fato, toda a minha vida. A princípio dei aula de inglês, eram coisas que eu sabia, eu sabia sobre as línguas, alemão e italiano, pensei que o mundo acadêmico seria interessante, o mundo das línguas, da literatura comparada, das consciências bíblicas etc., mas fui descobrindo que meu papel social poderia ser mais potencializado estando no mundo dos negócios e organizações, sobretudo a partir da minha experiência filosófica humanística. Então, fui para o mundo do empreendedorismo, dos negócios, do desenvolvimento de pessoas e hoje eu sou fundador da Exponentia Consultoria, uma empresa de consultoria digital e mudança cultural.
RP: Quando falamos em educação formal, infelizmente vemos muitas escolas presas a um padrão tradicionalista, que em pouco serve para o desenvolvimento de uma consciência plena dos estudantes. Onde a escola está errando? Qual o impacto disso para a vida desses estudantes lá no futuro, tanto no mercado de trabalho quanto nas relações humanas e sociais?
MP: Eu acho que as escolas estão errando onde erra grande parte das instituições do mundo pós-moderno. Existe um mundo novo batendo à porta rápido, falando alto, gritando, fazendo coisas muito diferentes e as organizações não dão conta disso. Então, do meu ponto de vista, há um problema muito forte, institucional, relacionado ao fato de que a escola não está respondendo a essas questões. Inclusive isso ocorre não apenas do ponto de vista da organização, que é para mim o ponto mais forte, mas, também, do ponto de vista das pessoas, porque, por exemplo, você tem algumas escolas que, em sua tese, em seu esqueleto doutrinário inicial, são bastante interessantes, o desenho é bem bonito, mas as pessoas, em si, não se adequam a esse desenho organizacional que, mesmo sendo bonito, é antigo, ultrapassado. Então temos uma estrutura fadada ao erro porque a organização vive um contexto de modelo mental antigo, sobretudo num mundo pós-moderno. E muito dos educadores, também, não acompanham essa mudança toda. Ouso dizer que todas as instituições precisam fazer uma experiência de transformação digital, que não tem nada a ver exatamente com tecnologia, lógico que isso também conta, mas não apenas isso. Penso aqui no que realmente significam as mudanças e os apelos para os novos modelos de pensamento e os novos modelos de mundo que estão sendo traçados já há alguns anos – é deste conceito de tecnologia que falo. Então, para mim, o erro é estrutural, pensando nas organizações escolares e pensando, também, nas pessoas que não se adequam às novidades e exigências do mundo pós-moderno.
RP: Sabemos que o atual modelo de escola nasce a seguir ao surgimento da burguesia e concomitantemente às grandes revoluções, como a Industrial e a Francesa. Tendo em vista essa coincidência histórica, quais são as relações entre a escola e o capitalismo? Como estas duas forças se retroalimentam?
MP: Essa é uma pergunta bastante interessante, inclusive esse é um dos pontos epistemológicos, talvez, das mudanças do ensino formal. O ensino é bastante capitalista, de fato, capitalista no sentido de que o que eu dou precisa ter alguma função para o mercado, para linha de produção e para a produtividade.
Assim, toda vez que o ensino entra nessa lógica do “Eu preciso estudar para ter uma boa nota no ENEM” ou “Eu preciso estudar para passar no vestibular”, eu acabo reduzindo a educação ao aspecto apenas formativo, isto é, ao aspecto da forma(ta)ção de pessoas para o mercado de trabalho.