Neste artigo, os pesquisadores João Abílio Lázaro, Alberto Pedro Maquia, e Carlos António Mairoce, analisam a qualidade, os desafios e as oportunidades da educação primária em Moçambique, levando em consideração os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.

Fonte: Wix
Introdução
A elaboração de qualquer currículo educacional precisa de ser ajustada às contínuas transformações socioeconômicas, políticas e educacionais que ocorrem na sociedade. O mesmo deve ser desenhado tendo em vista a necessidade de providenciar respostas específicas aos desafios da sociedade para a qual o mesmo currículo está sendo projetado. Nesse sentido, os desafios que tal currículo deve procurar responder são aqueles que estão, em particular, relacionados com o mercado de trabalho e com o bem-estar de toda a sociedade (GUIBUNDANA, 2013). Esses ajustes devem ser feitos considerando a educação como uma prática social que visa preparar a nova geração para a vivência dos valores humanos, para a busca do conhecimento científico e técnico e para a promoção do progresso, tendo em vista a necessidade de ajudá-los, constantemente, a melhorar o bem-estar e as condições de vida das pessoas (JACINTO, 2015 & GUIBUNDANA, 2013).
Para tanto, a educação básica passa a ser o alicerce sobre o qual se deve construir essa transformação para a formação de cidadãos capazes de responder aos desafios acima mencionados. É por isso que o governo de Moçambique acredita que esta forma de educação visa ajudar os seus beneficiários a se tornarem cidadãos que saibam transformar dificuldades em oportunidades, através da oferta de uma formação harmoniosa e integral que lhes seja benéfica e que seja benéfica para toda a sociedade (MINED 2003). Em outras palavras, o ensino primário deve ajudar estes/as alunos/as e as futuras gerações a construir um Moçambique melhor, a construir um novo cidadão com uma capacidade crítica mais apurada, acompanhada da preparação necessária para que ele/ela possa discernir a realidade e agir em conformidade com ela. Para que estes aspetos se concretizem, no entanto, é necessário que a educação primária cumpra o seu papel no processo de socialização das crianças e na aquisição de competências básicas para o seu desenvolvimento holístico, carregado com os valores da cidadania, democracia, justiça, solidariedade, autonomia, entre outros (PCEB 2003, 16).
Para esse propósito, a educação primária constitui a base que o governo de Moçambique procura proporcionar a cada um dos cidadãos à luz da Constituição da República de Moçambique (PCEB 2003, 16 & C.R 1990). Esta educação desempenha um papel fundamental no processo de socialização das crianças, na transmissão de conhecimentos e competências fundamentais como a leitura, a escrita e o cálculo, tanto quanto se destina a ajudá-las a adquirir alguns valores sociais habitualmente aceitos para que vivam como bons cidadãos na sociedade (PCEB 2003).
No entanto, olhando para as conquistas da educação básica nacional que está sendo oferecida no país e olhando para a qualidade dos alunos por ela produzidos, percebe-se que o sonho traçado pelos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs), os quais foram abraçados pelo governo de Moçambique, não os ajudou a adquirir os resultados os esperados para eles serem capazes de ler, escrever e fazer cálculos matemáticos básicos para o seu crescimento social e acadêmico. De forma a compreender as razões destes problemas e apresentar soluções para os mesmos, este capítulo reflete sobre o sistema de educação nacional de Moçambique apresentando, a seguir, as suas fragilidades, para que se possa, posteriormente, propor o caminho a seguir para a sua melhoria. Para este efeito, comecemos por compreender a filosofia por trás do sistema de educação nacional de Moçambique.
1. Sistema Nacional de Educação de Moçambique
O Sistema Nacional de Educação moçambicano (SNE) foi introduzido em 1983 através da Lei 4/83 de 23 de março e revisada através da Lei 6/92 de 6 de maio. No entanto, a guerra civil de 16 anos, que decorreu entre 1976 e 1992, no país, forçou-o a entrar em uma crise social, econômica e cultural, condicionando as expectativas curriculares da educação. O referido condicionamento deveu-se à destruição de infraestruturas escolares, assim como da desintegração massiva da população, causados pela guerra, resultando na paralisação e destruição de mais de 50% das escolas primárias existentes no país (MINED 1996; INDE 1997).
De acordo com dados estatísticos do Ministério da Educação (MINED) (1999), em 1981, a taxa de ingresso em escolas primárias (EP1) atingiu 93% mas, nos anos seguintes, caiu drasticamente para 54%, devido à guerra acima mencionada. Para contornar esta situação, no contexto da estratégia de desenvolvimento global, em 1995, após o fim da guerra civil, o governo adotou uma política nacional de educação que definia o ensino primário básico (até a 7ª classe, incluindo para a educação de adultos) como sua primeira prioridade (PCEB 2003, 13). É por isso que, em seu Plano Estratégico de Educação, o Ministério da Educação reafirmou serem as seguintes as prioridades do Setor Nacional de Educação:
Aumentar o acesso de oportunidades educacionais a todos/as os/as moçambicanos/as em todos os níveis do sistema educacional do país;
Manter e melhorar a qualidade da educação;
Desenvolver uma estrutura institucional (MINED 1997, 1).
Assim, a educação básica tornou-se de suma importância para a estratégia de desenvolvimento do país como sendo:
Um elemento central da estratégia de redução da pobreza, uma vez que, por um lado, a aquisição de conhecimento acadêmico, incluindo a alfabetização de adultos, visa ampliar as oportunidades para que os cidadãos tenham acesso a empregos sustentáveis para todos os cidadãos e, por outro lado, é projetado para aumentar a equidade do sistema educacional (MINED 1997);
Garante o desenvolvimento dos recursos humanos, necessários para o sucesso da economia do país (MINED 1997);
É uma necessidade para o efetivo exercício da cidadania (MINED 1997).
A respeito disso, por mais que tenha sido destacado acima sobre a importância do ensino básico, no que diz respeito aos seus objetivos, com base na Lei nº 6/92, o seguinte pode ser destacado também como de suma importância:
Educar crianças para a cidadania;
Educar crianças para o desenvolvimento econômico e social;
Educar crianças sobre as práticas ocupacionais;
Proporcionar à criança um desenvolvimento integral e harmonioso;
Capacitar crianças, jovens e adultos com um conjunto de padrões de conduta que os tornarão membros ativos, responsáveis e exemplares em sua comunidade;
Incentivar crianças, jovens e adultos a observar, refletir e desenvolver o senso de autonomia e autoestima;
Desenvolver nelas a capacidade de comunicar claramente nas línguas moçambicanas, particularmente em português, seja na leitura, na escrita e na fala;
Promover o conhecimento e o respeito pelos símbolos nacionais do país;
Educar crianças, jovens e adultos na preservação e combate às drogas e no combate a doenças endêmicas e epidêmicas como malária, cólera, HIV/AIDS e outras doenças sexualmente transmissíveis.